quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

JOGO DE CENA


Forma versus Conteúdo é um tema que gera acaloradas discussões sobre teorias em faculdades de artes mundo afora.

“Jogo de cena” prova na prática que conteúdo é mais importante que forma.

O que importa são as histórias que ali são registradas, a história é o mais importante. O mais interessante é que ele prova isso através da forma.

 Não importa se é uma atriz famosa que interpreta a história, ou uma atriz desconhecida, ou a própria pessoa que viveu aquele drama, o que importa de verdade é não deixar essas histórias desaparecerem, através desse artifício Eduardo Coutinho está dizendo que o suporte (a pessoa, a forma) não está acima do conteúdo pois é apenas um meio. No cinema moderno a forma sempre tomou o papel de destaque. Em “Jogo de Cena” o destaque é o conteúdo. O cinema de Eduardo Coutinho é contemporâneo.

Pois além disso “Jogo de cena” é uma obra que transcende gênero, formato e suporte.  Poderia ser uma peça de teatro, poderia ter sido feito para a televisão, poderia ser distribuído para celulares, youtube, feito em película, digital, curta-metragem, ficção, documentário, não importa, ele não se prende a nenhum formato já conhecido impossibilitando sua rotulação. Talvez documentário-farsa ou documentário/farsa?

E que histórias são essas? Na maioria das vezes são dramas de mãe e filho, a gênese da sociedade. Grandes perdas e desilusões, barreiras psicológicas, coisas do além, diferentes formas de percepção e até “Procurando Nemo” entra no meio. Histórias que impressionam pela sua carga pesada de emoções ou ineditismo, tragédias gregas no dia-a-dia da cidade.

Deixando o campo das histórias reais e partindo para a profissão do ator (o filme também é sobre isso, uma homenagem a essa profissão), um dos melhores momentos de todas as entrevistas é ver Fernanda Torres não conseguindo dizer seu texto, não conseguindo entrar na personagem, se embaçando com a memória, rindo nervoso e completamente perdido para câmera, pois a pessoa que ela estava interpretando é de uma pluralidade que beira o surreal, difícil para colocá-la dentro de uma linearidade, o que deixaria o trabalho do ator mais fluido.

Essa é a cereja do bolo do filme, o erro, ahh... a delícia do errar humano!

O ser humano parece mais verdadeiro e mais encantador e mais ele próprio quando erra. Quando esse errar não nos atinge de forma negativa, claro!

Baixe "Jogo de Cena" clicando aqui ou

Compre o DVD clicando aqui. o dvd vem com faixa de audio com comentários do diretor, deve ser o máximo!

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A CASA DAS REVISTAS


O que aconteceu com a Casa das Revistas?

Você joinvillense percebeu que ela fechou?

Não? Nem sabe do que eu estou falando?

Você se considera um joinvillense? O que faz das pessoas que habitam essa cidade terem uma identidade coletiva?

O joinvillense tem uma identidade coletiva?

Onde nos reconhecemos?

Na coxinha com choco-leite no Bar do Garoto, no Strudel ou Marta Rocha da Confeitaria XV e empadas no Jerke, depois de alugar um DVD (não tem mais fita né?) na Magic Vídeo e antes de ir embora tomar uma garapa alí embaixo da catedral. Existem muitas formas de nos reconhecermos como joinvillense, mas agora uma desapareceu.

Esses lugares simples, populares e democráticos, onde qualquer pessoa pode ir (se bem que as empadas agora estão mais elitizadas, mas ainda são ótimas) estão desaparecendo em nossa cidade! O último tinha sido o Bar Tigre que foi demolido pra dar lugar ao novo Angeloni, deprimente!

Mas isso não é de agora, vem de muito antes do que pensamos.

O mercado público era originalmente açoriano, foi demolido e reconstruído com formas germânicas forjadas.  Teve também aquele casarão no começo da 9 de março esquina com a Blumenau onde haviam feito algumas exposições de design, também foi ao chão e pior, sem nenhum motivo para isso,pois até hoje nada foi construído no local!

Onde fica registrado as características autênticas desse povo quase sem passado?

Não sou tradicionalista, mas tenho consciência de que certas coisas não devem desaparecer, são como bases, estruturas primordiais da nossa personalidade, que devem ficar como são e só mudar quando for realmente preciso.

Ontem a noite passei em frente a revistaria, haviam paredes quebradas, reboco, construção, pensei que poderia ser uma reforma, assim como as empadas Jerke remodelaram o lay-out da lanchonete, quem sabe a Casa das Revistas esteja passando por um processo similar, mas não havia nenhuma placa fazendo qualquer anuncio do tipo “desculpe o transtorno, estamos em reforma” nem nada, fico pensando se naquele endereço não irá abrir uma loja de calçados a preços populares ou bijuterias, dessas que você compra a granel. Tomara que não! Espero que não, por favor não!

Será que ela fechou por não conseguirem mais pagar o aluguel? E o pior de tudo é que agora me sinto culpado por nunca mais ter ido lá. Fiquei com aquele sentimento de que a gente só dá valor às coisas quando elas vão embora, mas agora é tarde. Ou será que fechou porque as proprietárias decidiram se aposentar e não tinham ninguém da família para tocar o negócio?

Daqui uns anos (ou pior, hoje!) o que nos unirá como joinvillense é ir ao shopping Mueller,  no Angeloni , no Mc Donalds da Beira Rio. Lugares esses que existem em qualquer outra cidade, lugares esses que não define nossas bases, lugares esses que não representam nada mais do que a decadente sociedade de consumo que somos. Não dá pra ser pior que isso!

Parece um absurdo essas minhas colocações?Claro que não! Veja só, eu comprei minhas primeiras revistinhas da Turma da Mônica lá, meu Atlas da Folha, minha coleção de Minerais e Pedras Preciosas que guardo até hoje e agora mais do que nunca. Ah, como aprendi macetes pros jogos do meu Super Nintendo, passwords, combos, fatalities nas revistas que comprei lá!

Foi lá que comprei a minha primeira Revista SET, hoje não leio mais essa publicação mas foi ela que abriu um novo mundo de informação que serviu de base indissociável para minha cinefilia.

Todas essas publicações formaram uma parte importante da minha personalidade. Eu poderia tê-las comprado em qualquer outra revistaria, mas eu comprei todas elas na Casa das Revistas.

Com o fechamento da Casa das Revistas eu me sinto menos joinvillense. Justo eu, que nunca tinha me sentido joinvillense de verdade, hoje me sinto menos.


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O BANDIDO DA LUZ VERMELHA


Quando as pessoas vão assistir à “O Bandido da Luz Vermelha” pensam que irá passar a sua frente toda a história da vida desta personalidade que saiu de Joinville para apavorar a alta sociedade paulistana na década de 60, um filme baseado em fatos reais, mostrando sua origem, ascensão e queda.

Conheço algumas pessoas que começaram a assistir esse filme e não conseguiram terminar, alegando que o filme é “um porre” ou “não tem nada a ver” ou “cinema brasileiro é sempre uma merda mesmo!” pois o título sugere algo popular, o que não é.

O que essas pessoas não sabem é que esse filme é tudo, menos sobre o tal bandido da luz vermelha.

Pra quem não sabe esse é um filme de Rogério Sganzerla, seu 1º filme, e se você já leu o que escrevi sobre “O Signo do Caos” deve estar por dentro do que se trata; um combate contra a ignorância e a mediocridade.

“O bandido da luz vermelha” é na verdade sobre o próprio Sganzerla, sobre como ele se via perante a sociedade da época, um artista vivendo à margem e incompreendido. Ele usa o personagem do bandido como alegoria para se jogar na tela, mas não de forma absoluta, trata-se de uma pessoa com dúvidas profundas sobre sua existência,  “um gênio ou uma besta?”.

Um gênio por perceber que tinha uma visão própria sobre o cinema e sobre a sociedade, uma besta por fazer filmes sem abrir nenhuma consessão se afastando assim do grande público (arte pra quem?).

E falando dele mesmo, ele também fala de todas as pessoas que buscam outros ideais, que possuem visões diferentes do mundo, e esse é o seu público, bastante restrito.

Pessoas que não têm como meta principal na vida querer um carro importado, uma casa enorme com piscina e um emprego estável como essas pessoas comuns que consomem de forma inconsciente e buscam ideais comuns escolhidos pela publicidade e pelas mídias de massa.

Esse filme é o que melhor sintetiza o que se trata o cinema marginal. Não é marginal por ser feito com pouco dinheiro e ter distribuição bastante limitada, não é o marginal da questão econômica, esse não é o foco principal, ele é marginal da questão cultural e intelectual, quem está à margem são as pessoas que têm expectativas e visões diferentes da maioria, pois não se encaixa à ela, uma maioria que repudia o pensamento livre e não aceita o outro em sua forma original, precisa de mascaras, por isso esse outro está a margem. 


Baixe aqui "O Bandido da Luz Vermelha"

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

ELES NÃO USAM BLACK-TIE


Hoje há dois tipos de cinema produzidos no Brasil: filmes autorais intelectuais para festivais e filmes popularescos para o povão desfavorecido intelectualmente, esse em menor quantidade. Um público (em raríssimas exceções) não se encontra com o outro. E há reclamações diversas dos dois lados.

“Eles Não Usam Black-tie” é um filme-resposta adiantada para esse problema.

É inteligente e até revolucionário dentro de um formato absorvido por todos.

Um “Cidade de Deus” não publicitário.

No começo do filme tem um casalzinho hetero, lindos, católicos, pobres e humildes, tão banais que chega a dar ânsia de vômito, esse é o cinema popular, está se estabelecendo uma empatia com esse público, o outro público está ficando puto dos cornos mas só até o seguinte momento; a mulher conta ao namorado que está grávida, ela é pró-aborto, o namorado acha a idéia dela um absurdo e já marca o casamento. Neste momento fica registrado quem é quem; uma mulher progressista consciente de seu corpo e suas escolhas e o homem nascido e criado durante a ditadura, um reacionariozinho de merda, “careta e covarde” que existe aos montes até hoje, e continuam se reproduzindo, “tal pai, tal filho” (!)

Mas esse “tal pai, tal filho” não funciona aqui, este babaca é filho de um pai que luta pelos direitos dos trabalhadores (Gianfrancesco Guarnieri, ator e autor da peça onde foi inspirada o filme).  “Eles Não Usam Black-tie” é sobre o afrontamento dessas duas gerações e não procura esconder isso, alguns diálogos são bem explícitos dizendo abertamente o que geralmente ficaria subentendido, mas de novo, como o filme busca um diálogo mais próximo com um público sem tanto entendimento cinematográfico, essa escolha se torna entendível e suportável. Aqui está se usando o cinema não para falar de cinema, e sim como uma ferramenta para a veiculação de ideais sociais (Eisenstein).

Aqui o pensamento comum e machista é punido, ao contrário do que vemos hoje com a supervalorização do banal pela tv.

A revolução, o ato consciente e a busca pelos direitos não se trata de um ato suicida, distante da nossa realidade e utópico, e sim um processo de luta natural para a evolução.


baixe aqui "Eles Não Usam Black-tie"