sábado, 31 de janeiro de 2009

O Signo Do Caos




Toda a forma narrativa do cinema clássico se apóia sobre a literatura, cinema como se fosse um teatro registrado.
Mas essa linguagem não é nova, nasceu na Grécia antiga. O cinema clássico é só uma junção de outras artes. Mas o cinema sendo uma arte “moderna” deve buscar sua identidade própria. Então, qual é a linguagem própria do cinema?
Existem milhares de livros que teorizam sobre esta questão, mas o mais legal é que até hoje as pessoas buscam por uma resposta, uma fórmula para esclarecer o cinema.
O tema “A linguagem do cinema” é equivalente à pergunta “O que é arte?” e a resposta é a mesma de “Por que vivemos?”

O último filme de Sganzerla não é metalingüístico (talvez seja, depende o ponto de vista), coloquei aqueles pontos acima para esclarecer para a pessoa que desconhece o trabalho deste cineasta que estamos falando de outra forma de cinema. Nem melhor nem pior, mas autêntica. Para mim “O signo do caos” é mais Cinema

“O Signo do Caos” se passa após a visita de Orson Welles ao Brasil. Ele veio para cá em nome do projeto estadunisense chamado “Política da Boa Vizinhança” depois do ataque japonês à Pearl Harbor, quando os EUA entraram na guerra. A América estava preocupada com uma possível inclinação brasileira para o nazi-facismo, então mandou alguns dos seus grandes artistas para arrebatar a simpatia tanto do povo como dos políticos, ganhando seu apoio na guerra.

Mas parece que ninguém realmente sabia da importância de Orson, por aqui ele foi tratado como um Sr. Hollywood, uma personalidade estrangeira. Ele já tinha produzido “Cidadão Kane”, mas ninguém parecia saber disso.
E tudo o que ele filmou aqui ficou trancado nos porões da ignorância até hoje.
“O Signo..” é sobre isso, sobre como a ignorância, o pensamento comum é capaz de atravancar a criação de um revolucionário.
Isto é Brasil, “Tudo é Brasil”

E continua sendo. O episódio de Orson ocorreu em meados dos anos 40, “O Signo do Caos” foi lançado em 2005 e a denuncia continua funcionando da mesma forma, nada mudou em questão da idiotice, só piorou quantitativamente. O Brasil vive uma “Revolução dos Idiotas” que está escorada em todos os setores da sociedade; no filme esses idiotas aparecem na política e não há lugar pior (ou melhor, depende o ponto de vista) para um idiota, porque esse idiota sozinho consegue foder com muitos.

No filme o personagem-alegoria que representa a personalidade política incumbida de aprovar o filme para o lançamento repete as mesmas frases de senso comum para vetar o filme, em nenhum momento há uma justificativa plausível pra vetar a obra de Orson. “Não gosto de conhecer quem eu não conheço!”

Uma das sacadas que eu mais curti no filme é a desincronia labial, os personagens gesticulam com a boca, falam alguma coisa mas o que escutamos não condiz com os movimentos dos lábios do falante. Falamos uma coisa mas pensamos outra. Uma forma bastante cinemática para demonstrar hipocrisia. Quando eu produzir um filme que tenha um hipócrita vou usar essa idéia!



Só há uma coisa nesse filme digna de crítica. O fator relativo X absoluto.
De forma geral o Cinema de Sganzerla é relativo, tudo é ponto de vista e não existe certo ou errado e blá blá blá...
Mas há aqui um elemento absoluto trazido do cinema clássico (teatral) para melhor entendermos quem é quem.
A 1ª parte do filme é em preto-e-branco, quando conhecemos os personagens do político e do artista o político está usando uma roupa preta (o mal) em contraste com o personagem que quer salvar o filme que usa uma roupa branca (o bem). O político é feio e gordo, e o outro (o alter ego do diretor) é bonito e magro.
Se fosse mesmo usar a idéia do cinema relativo não poderia julgar seus personagens, pois não sabemos o que há por trás, o personagem “do mal” talvez nem quisesse fazer o que faz, talvez faça por alguma pressão, não sabemos! Mas Sganzerla está tão puto, tão angustiado com a situação do cinema e como as pessoas o encaram apenas como um forma barata de entretenimento, que aponta este personagem como sendo o culpado, indo contra suas próprias teorias.
Mas isso não diminui a obra que é também uma carta de amor ao trabalho de Orson, vide a “teoria das cores no mundo” no final do filme. De arrepiar!

Mas tem uma outra coisa que me deixa pensando:
Se as filmagens de Orson eram apenas engodo, o que ele filmasse aqui não tinha importância, o que realmente importava seria a publicidade gerada por ele, a imagem de uma América gentil e generosa. O que Welles aqui produziu virou lixo estocado, mas não havia problema para ninguém, talvez nem para Welles, ele só estava à passeio. Sabe-se também que não havia um roteiro para a produção, ele apenas filmou o que quis; o carnaval em cores, filmou a favela e também estava filmando uma reconstituição de uma história real de jangadeiros que atravessaram toda a costa brasileira pelo mar até o Rio. Durante uma filmagem um dos atores morreu em frente às câmeras, gerando má publicidade, o passeio de Welles tinha chegado ao fim. E os rolos ficaram retidos.

O que Welles filmou aqui não se trata de uma obra inacabada, não havia justificativa artística para suas filmagens. Porque então Sganzerla se ressentiu tanto?

Sganzerla é um grande admirador do trabalho de Orson Welles.
Para Sganzerla todo o trabalho de Welles é relevante, o que ele filmou deveria ser respeitado e que se tornasse publico o olhar de um revolucionário sobre este país. Inconformado com o tratamento dado à película de Welles, Sganzerla produziria “Nem tudo é verdade” e “Tudo é Brasil” além deste “O Signo do Caos”

Sganzerla via no trabalho de Welles, mais especificamente em Kane, “todo os vícios e virtudes do áudio-visual atual” sem Welles não poderia ter existido o Cinema Moderno, ou pelo menos ele atrasaria um pouco, ou muito, ou teria acontecido de uma outra forma.


sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Estômago


Fiquei cheio de dúvidas quando terminei de assistir este filme, pois tinha lido em vários lugares que esse tinha sido o melhor brasileiro de 2008 e um dos 20 melhores lançamentos do ano! (?)

O que será que todos viram que eu não vi?

O que vi é um filme que fala sobre o instinto animal que há no ser humano, o problema é que aqui só há o animal excluindo completamente o ser humano de racionalidade. No filme todos nós somos animais irracionais de almas podres vivendo presos em ambientes degradantes.

Entendo que o humor simples tenha feito muitas pessoas rirem, o que é ótimo, uma tentativa de se encontrar com público. “Estômago” não é cinema autoral, foi construído para as massas, e esse é seu principal trunfo, pois pode ser lido em vários níveis; tanto é uma comédia despretensiosa com personagens caricaturais como é uma análise sobre a natureza humana, e sem uma coisa atrapalhar a outra.

O personagem principal demonstra ser uma pessoa incapaz de raciocinar além de seus instintos. Ele não tem controle de nada, é levado pela situação e sempre responde a ela de forma inconsciente, inconseqüente e/ou com violência.
Faz qualquer coisa para ter onde dormir e o que comer e não faltam pequenas tiradas humorísticas onde ele demonstra sua falta de capacidade de raciocínio. Nonato, o personagem principal, não consegue racionalizar, não consegue lidar com as grandes dificuldades da vida, sentimentos mais complexos. Quando se depara com algo assim sofre absurdamente além de tudo. Sua única forma de lidar com situações complicadas é a violência, essa é a única forma possível, pois desde sempre a violência esteve presente no seu cotidiano, e somente ela.

Mesmo com a sua falta de raciocínio ele consegue fazer coisas surpreendentes como “mudar de posição social”. Na prisão ele ganha a admiração do dono da cela, Bugiú (o nome já diz, um homem-orangotango que consegue tudo o que quer na base da violência) e aos pouquinhos com o seu talento como cozinheiro ele vai melhorando de posição dentro da cela, começa dormindo no chão, vai para o beliche de baixo, depois para o meio. Mas ele quer mais, não sabemos por que ele quer mais, ele apenas quer sem nenhuma razão justificável (irracional). Ele quer dormir no beliche de cima por que é melhor, e ponto! Para isso mata Bugiú, toma seu lugar, crime sem castigo. Viva o assassino! Viva a ignorância! Viva o absoluto!

Ao terminar de ver o filme a idéia que mais me perturbou foi a de que se você tem uma pessoa que perturba a sua vida, uma pessoa que de alguma forma você nutre uma inveja por ela, mas você não consegue vencê-la pela razão, mate ela envenenada ou de alguma forma que não descubram que foi você o culpado. Seja “esperto”! Seja “ligeiro”! Faça tudo no “jeitinho”. Pois vale a pena.

(!)

E não se trata só do personagem principal, todos os personagens são animalescos. Não há fuga da ignorância. Como se nós vivêssemos literalmente em uma selva. O filme afirma que evolução não é uma questão de inteligência e sim um processo natural incontrolável. Ganhamos mais pela força do que pela razão. Mas será que é isso mesmo? Claro que não!

O filme fala da pessoa comum¹ para a pessoa comum, será que essa pessoa comum que viu o filme tem consciência do que acabou de ver? Qual será o efeito dentro do cérebro da pessoa que acaba de ver este filme como meio de diversão? Será que ela se dá conta, mesmo que inconscientemente, de sua condição animal? Ou será que ela fica feliz pelo ato de violência “esperta” de Nonato?


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1 - Aqui a pessoa comum é aquela que vê o Cinema apenas como forma de entretenimento.

Livro de Receitas




domingo, 11 de janeiro de 2009

A CASA DE ALICE


Escrito e Dirigido por Chico Teixeira, 2007.


“A Casa de Alice” é o tipo de filme que revela. Mostra o cotidiano na sua forma simples. A parte complexa fica com o roteiro que usa de recursos clássicos (curva dramática, clímax, ponto de vista, etc.) e acredito que não precisava disso, pois como o filme se presta a revelar e a não iludir, e como não é um filme feito com a pretensão de arrecadar centenas de milhões nas bilheterias esses parâmetros do cinema clássico se tornam desnecessários, mas não atrapalharam.

O filme revela o dia-a-dia de uma família de classe média baixa. Revela seus problemas de convivência e suas mentiras, não a grande mentira (religião, amor, existência), apenas a mentira hipócrita, aquela típica e pequena do dia-a-dia, mas que faz toda a diferença, ou pelo menos alguma diferença. Para pessoas banais, problemas banais, mentiras banais.

Por exemplo, num diálogo alguém diz: “Transei com o meu marido a noite inteira, foi ótimo!”, nós sabemos que é mentira, ficaram brigando, não se agüentam mais, nem se tocam! Mas a pessoa que está escutando acredita no que a outra diz, ou finge que acredita.
Outro exemplo de um outro personagem que diz:
“Aquela mina é muito gostosa!” também é uma mentira, este personagem é gay, está só se fazendo de macho na frente dos familiares, pois ele tem uma imagem de militar a zelar, além de ser o primogênito. E por ai vai...

Todo mundo mente ou faz algo escondido, essa é uma verdade na vida e assim também no filme, mas como toda a verdade essa também é relativa.

Os atos destes personagens nunca são julgados (ou quase nunca) pelo diretor nem pelo roteirista que, aliás, são a mesma pessoa. Não há (ou quase não há) castigo generalizado ou redenção. A única castigada é a avó, proprietária do apartamento e que sempre parece saber de tudo ou quase tudo, e por isso é mandada para o asilo.
O caçula é o único que parece não mentir nem esconder algo, ele ganha a atenção e o carinho de todos na casa, aliás, é o único. Talvez ele mereça esse carinho por não fazer nada de errado. Bem, não sabemos se ele não faz nada de errado, apenas não vemos ele fazendo! Este não é o tipo de filme de verdades absolutas, ele é relativo. Só porque não aparece na tela não significa que não aconteça.

Mas de alguma forma o filme faz sim julgamento dos atos de seus personagens, pois fazendo a inevitável comparação desse caçula com os demais membros da família ele parece ser um santo e todos os outros têm e são podres, pois estão fazendo alguma coisa errada. Mas esse é o tipo de julgamento que resta para quem está vendo o filme, não é explicito na película.

Todos os julgamentos parecem ficar a cargo do espectador, mas há um julgamento explícito no filme e quem julga é o diretor (o julgamento não acontece no roteiro, ele acontece na forma). Descrevo; na cena vemos a avó indo em direção à janela do apartamento, ela está no alto vendo tudo (visão superior), ela vê seu neto mais velho chegando de carona num Gol preto, ele recebe uma grana do dono do carro, que o agradece e pega na sua coxa, é obvio que além de gay ele também é michê. A câmera está posicionada no alto, o clássico plongée (câmera que julga e diminui o personagem em vista de outro) e não parece haver razão para esse julgamento. Aliás, esse personagem é o mais complexo do filme. Vejam todos os rótulos que foram empregados a ele: primogênito, militar, gay, michê, pavio curto e dono da razão. Nós não gostamos dele, eu pelo menos não gostei, ele não é ruim apenas tem muito a esconder e suas máscaras são muito pesadas para uma pessoa só carregar. Talvez por isso o diretor o julgue como fazendo a coisa errada sendo michê, mas ser michê não parece ser a coisa “errada” a ser julgada e/ou denunciada. Muito mais errado é ele mentir! Quando ele mente para o seu irmão caçula narrando uma forma de sedução e dizendo que já fez isso muitas vezes com mulheres, nós sabemos que isso é mentira, ou pelo menos sentimos a presença da mentira em seu discurso, neste momento a câmera está na altura do seu olhar, um close up pegando um dos lados do seu rosto, ou seja, câmera que não julga. Como se não houvesse problema em mentir.

Depois de assistir a “Os Monstros de Babaloo” a minha visão sobre famílias no cinema mudou muito. Para mim “Os Monstro...” se tornou o filme definitivo sobre família. Obra de referência.

É porque eu gosto de cinema que explora de forma visual o interior, a alma. Alegorias. E não há essa exploração visual em “A Casa de Alice”. Senti falta disso. Mas é um absurdo comparar esses filmes.

Quando comecei a assistir “A Casa..” logo pensei “putz, que mal, parece novela!”. Bem, não é!




Baixe "A Casa de Alice" clicando aqui, lembrando que este filme não tem pra comprar e nem alugar. Ou pelo menos eu não encontrei.