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quarta-feira, 29 de julho de 2009

"Sem essa, Aranha"




E se não existissem regras fixas para o cinema, será que o público conseguiria absorver idéias que estivessem fora de um padrão lingüístico e narrativo estabelecido há mais de 80 anos?

Assim começa o livro “Por um cinema sem limites”:

“O Cinema – “arte das evidências enganosas” - nasceu com a criação do homem, quando este cedeu uma costela à mulher, evoluiu com o mito platônico da caverna, ao ampliar a imagem e semelhança divina na consciência ancestral que desembocou no teatro de sombras chinesas onde alcançou o seu esplendor criativo, influenciando-nos irremediavelmente. Espalhou-se da Ásia para Europa graças ao empenho de mágicos e ambulantes andarilhos percorrendo feiras, circos e quermesses. Não era ainda o cinema, com carga de mesmice e redundância mal feita hoje, mas algo mágico que prefigurava e o antecedia com maior força do que a mídia atual, sob o princípio da decomposição e composição do movimento a partir de imagens-fotograma fixos

Só foi conhecer sua forma atual, a perfuração e o formato 35 milímetros, com Emile Reynaud, o genial mágico e empresários do Teatro Robert Houdini (que passaria às mãos do não menos genial, o incomparável e soberano George Mélies). Em pleno século das luzes, a invenção, provinda da fotografia conjugada a projeção de lanternas chinesas, envolveu fotógrafos, químicos, físicos, artistas-inventores, artesões mecânicos e industriais que transformaram na máquina de produção-reprodução de imagens animadas, inicialmente através do desenho, e patenteadas graças a esperteza do feiticeiro de Menlo Park – Thomas Alva Edison – e o fundador da Kodak, Georges Eastman, criador do suporte em acetato”

O cinema já existia antes mesmo da película, diz Sganzerla, e ele tem razão, CINEMA é projeção de idéias. Acho muito triste e limitado a visão que de modo geral a população tem de cinema, Hollywood. Deve-se, por algum tempo, ignorar a existência desta fábrica de dvds e suas filiais, e ver o que se faz e o que se fez no resto do mundo. Outras formas, outras cores, outras idéias, outras pessoas, outras vidas.

No cinema de Hollywood e em suas filiais espalhadas pelo mundo seus filmes precisam fazer sentido do começo ao fim, a história está hermética e corretamente fechada para que não aja dúvidas (pensamentos) por conta dos espectadores, e os espectadores gostam disso, se sentem seguros pois não precisam pensar muito para absorver o que está passando em frente aos seus olhos.

Quando tudo o que lemos (inclua a Bíblia), ouvimos e vemos (no cinema, na TV, nas revistas, no teatro) faz sentido e possui uma lógica interna tão bem marcada e correta que permeia toda a duração isso é prova mais do que concreta de que entramos numa crise existencial irremediável, pois não existe sentido na vida, então porque haveria sentido nas expressões da vida (a arte)? Se vivemos algo sem sentido e acreditamos cegamente em algo com sentido quando absorvemos esta expressão como reflexo verdadeiro da vida, pensamos: “Por que minha vida não faz sentido se no cinema a vida faz sentido?” “O que há de errado comigo?”

Eu respondo: Não há nada de errado com você, mas com certeza há algo de errado com o que você está absorvendo.

Os filmes de criação, de invenção, modernos, contemporâneos, ou mesmo pode-se dizer marginais (marginal da ignorância e da caretice virulenta que contagia a sociedade) possuem uma visão expandida desta arte que nasceu moderna e se perdeu graças ao seu imenso potencial de geração de renda, seu Karma.

“Sem essa, Aranha” fala sobre a miséria e a decadência moral e intelectual, sobre religião, sobre vida animalesca, sobre a cultura musical do povo, sobre limitação, sobre amor, sobre Brasil, a vida (documentário) se misturando com a ficção (mise-em-scène). Não existe estrutura dramática (começo, meio, fim, uma cena dependendo da outra) as cenas existem por razão própria dentre de si, e não por causa de uma continuidade lógica e entendível. É cinema fora de padrões tradicionais, Sganzerla nega todos os padrões estabelecidos não porquê ele é um garoto mal, mas simplesmente porquê ele tem visão consciente da vida.

Cinema existe para algo maior que apenas contar uma história “legal” dentro de um mundo fechado em si que exclui automaticamente o nosso (o mundo real) e que exclui a câmera e toda a vida ao seu redor, como se não dependesse dela. Cinema é o reflexo mais próximo da nossa vida. Esse cinema de contação de história é reflexo de mentes aprisionadas em convenções de um passado distante.

Você não acredita nas mesmas coisas que as pessoas da década de 10 acreditavam, nem tem os mesmo costumes, nem se veste da mesma maneira, você não escuta as mesmas músicas nem se diverte ou se relaciona com outras pessoas da mesma forma que as pessoas da década de 10. Tudo isso evoluiu, modificou-se, e o Cinema também! Porquê então você ainda só vê filmes produzidos no mesmo formato convencionado na década de 10?

As pessoas que assistem a um filme como “Sem essa, Aranha” ou qualquer outro filme diferente do padrão tradicional, e dizem simplesmente “que o filme não tem nada a ver” são genuinamente ignorantes.





sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O BANDIDO DA LUZ VERMELHA


Quando as pessoas vão assistir à “O Bandido da Luz Vermelha” pensam que irá passar a sua frente toda a história da vida desta personalidade que saiu de Joinville para apavorar a alta sociedade paulistana na década de 60, um filme baseado em fatos reais, mostrando sua origem, ascensão e queda.

Conheço algumas pessoas que começaram a assistir esse filme e não conseguiram terminar, alegando que o filme é “um porre” ou “não tem nada a ver” ou “cinema brasileiro é sempre uma merda mesmo!” pois o título sugere algo popular, o que não é.

O que essas pessoas não sabem é que esse filme é tudo, menos sobre o tal bandido da luz vermelha.

Pra quem não sabe esse é um filme de Rogério Sganzerla, seu 1º filme, e se você já leu o que escrevi sobre “O Signo do Caos” deve estar por dentro do que se trata; um combate contra a ignorância e a mediocridade.

“O bandido da luz vermelha” é na verdade sobre o próprio Sganzerla, sobre como ele se via perante a sociedade da época, um artista vivendo à margem e incompreendido. Ele usa o personagem do bandido como alegoria para se jogar na tela, mas não de forma absoluta, trata-se de uma pessoa com dúvidas profundas sobre sua existência,  “um gênio ou uma besta?”.

Um gênio por perceber que tinha uma visão própria sobre o cinema e sobre a sociedade, uma besta por fazer filmes sem abrir nenhuma consessão se afastando assim do grande público (arte pra quem?).

E falando dele mesmo, ele também fala de todas as pessoas que buscam outros ideais, que possuem visões diferentes do mundo, e esse é o seu público, bastante restrito.

Pessoas que não têm como meta principal na vida querer um carro importado, uma casa enorme com piscina e um emprego estável como essas pessoas comuns que consomem de forma inconsciente e buscam ideais comuns escolhidos pela publicidade e pelas mídias de massa.

Esse filme é o que melhor sintetiza o que se trata o cinema marginal. Não é marginal por ser feito com pouco dinheiro e ter distribuição bastante limitada, não é o marginal da questão econômica, esse não é o foco principal, ele é marginal da questão cultural e intelectual, quem está à margem são as pessoas que têm expectativas e visões diferentes da maioria, pois não se encaixa à ela, uma maioria que repudia o pensamento livre e não aceita o outro em sua forma original, precisa de mascaras, por isso esse outro está a margem. 


Baixe aqui "O Bandido da Luz Vermelha"

sábado, 31 de janeiro de 2009

O Signo Do Caos




Toda a forma narrativa do cinema clássico se apóia sobre a literatura, cinema como se fosse um teatro registrado.
Mas essa linguagem não é nova, nasceu na Grécia antiga. O cinema clássico é só uma junção de outras artes. Mas o cinema sendo uma arte “moderna” deve buscar sua identidade própria. Então, qual é a linguagem própria do cinema?
Existem milhares de livros que teorizam sobre esta questão, mas o mais legal é que até hoje as pessoas buscam por uma resposta, uma fórmula para esclarecer o cinema.
O tema “A linguagem do cinema” é equivalente à pergunta “O que é arte?” e a resposta é a mesma de “Por que vivemos?”

O último filme de Sganzerla não é metalingüístico (talvez seja, depende o ponto de vista), coloquei aqueles pontos acima para esclarecer para a pessoa que desconhece o trabalho deste cineasta que estamos falando de outra forma de cinema. Nem melhor nem pior, mas autêntica. Para mim “O signo do caos” é mais Cinema

“O Signo do Caos” se passa após a visita de Orson Welles ao Brasil. Ele veio para cá em nome do projeto estadunisense chamado “Política da Boa Vizinhança” depois do ataque japonês à Pearl Harbor, quando os EUA entraram na guerra. A América estava preocupada com uma possível inclinação brasileira para o nazi-facismo, então mandou alguns dos seus grandes artistas para arrebatar a simpatia tanto do povo como dos políticos, ganhando seu apoio na guerra.

Mas parece que ninguém realmente sabia da importância de Orson, por aqui ele foi tratado como um Sr. Hollywood, uma personalidade estrangeira. Ele já tinha produzido “Cidadão Kane”, mas ninguém parecia saber disso.
E tudo o que ele filmou aqui ficou trancado nos porões da ignorância até hoje.
“O Signo..” é sobre isso, sobre como a ignorância, o pensamento comum é capaz de atravancar a criação de um revolucionário.
Isto é Brasil, “Tudo é Brasil”

E continua sendo. O episódio de Orson ocorreu em meados dos anos 40, “O Signo do Caos” foi lançado em 2005 e a denuncia continua funcionando da mesma forma, nada mudou em questão da idiotice, só piorou quantitativamente. O Brasil vive uma “Revolução dos Idiotas” que está escorada em todos os setores da sociedade; no filme esses idiotas aparecem na política e não há lugar pior (ou melhor, depende o ponto de vista) para um idiota, porque esse idiota sozinho consegue foder com muitos.

No filme o personagem-alegoria que representa a personalidade política incumbida de aprovar o filme para o lançamento repete as mesmas frases de senso comum para vetar o filme, em nenhum momento há uma justificativa plausível pra vetar a obra de Orson. “Não gosto de conhecer quem eu não conheço!”

Uma das sacadas que eu mais curti no filme é a desincronia labial, os personagens gesticulam com a boca, falam alguma coisa mas o que escutamos não condiz com os movimentos dos lábios do falante. Falamos uma coisa mas pensamos outra. Uma forma bastante cinemática para demonstrar hipocrisia. Quando eu produzir um filme que tenha um hipócrita vou usar essa idéia!



Só há uma coisa nesse filme digna de crítica. O fator relativo X absoluto.
De forma geral o Cinema de Sganzerla é relativo, tudo é ponto de vista e não existe certo ou errado e blá blá blá...
Mas há aqui um elemento absoluto trazido do cinema clássico (teatral) para melhor entendermos quem é quem.
A 1ª parte do filme é em preto-e-branco, quando conhecemos os personagens do político e do artista o político está usando uma roupa preta (o mal) em contraste com o personagem que quer salvar o filme que usa uma roupa branca (o bem). O político é feio e gordo, e o outro (o alter ego do diretor) é bonito e magro.
Se fosse mesmo usar a idéia do cinema relativo não poderia julgar seus personagens, pois não sabemos o que há por trás, o personagem “do mal” talvez nem quisesse fazer o que faz, talvez faça por alguma pressão, não sabemos! Mas Sganzerla está tão puto, tão angustiado com a situação do cinema e como as pessoas o encaram apenas como um forma barata de entretenimento, que aponta este personagem como sendo o culpado, indo contra suas próprias teorias.
Mas isso não diminui a obra que é também uma carta de amor ao trabalho de Orson, vide a “teoria das cores no mundo” no final do filme. De arrepiar!

Mas tem uma outra coisa que me deixa pensando:
Se as filmagens de Orson eram apenas engodo, o que ele filmasse aqui não tinha importância, o que realmente importava seria a publicidade gerada por ele, a imagem de uma América gentil e generosa. O que Welles aqui produziu virou lixo estocado, mas não havia problema para ninguém, talvez nem para Welles, ele só estava à passeio. Sabe-se também que não havia um roteiro para a produção, ele apenas filmou o que quis; o carnaval em cores, filmou a favela e também estava filmando uma reconstituição de uma história real de jangadeiros que atravessaram toda a costa brasileira pelo mar até o Rio. Durante uma filmagem um dos atores morreu em frente às câmeras, gerando má publicidade, o passeio de Welles tinha chegado ao fim. E os rolos ficaram retidos.

O que Welles filmou aqui não se trata de uma obra inacabada, não havia justificativa artística para suas filmagens. Porque então Sganzerla se ressentiu tanto?

Sganzerla é um grande admirador do trabalho de Orson Welles.
Para Sganzerla todo o trabalho de Welles é relevante, o que ele filmou deveria ser respeitado e que se tornasse publico o olhar de um revolucionário sobre este país. Inconformado com o tratamento dado à película de Welles, Sganzerla produziria “Nem tudo é verdade” e “Tudo é Brasil” além deste “O Signo do Caos”

Sganzerla via no trabalho de Welles, mais especificamente em Kane, “todo os vícios e virtudes do áudio-visual atual” sem Welles não poderia ter existido o Cinema Moderno, ou pelo menos ele atrasaria um pouco, ou muito, ou teria acontecido de uma outra forma.


domingo, 11 de janeiro de 2009

A CASA DE ALICE


Escrito e Dirigido por Chico Teixeira, 2007.


“A Casa de Alice” é o tipo de filme que revela. Mostra o cotidiano na sua forma simples. A parte complexa fica com o roteiro que usa de recursos clássicos (curva dramática, clímax, ponto de vista, etc.) e acredito que não precisava disso, pois como o filme se presta a revelar e a não iludir, e como não é um filme feito com a pretensão de arrecadar centenas de milhões nas bilheterias esses parâmetros do cinema clássico se tornam desnecessários, mas não atrapalharam.

O filme revela o dia-a-dia de uma família de classe média baixa. Revela seus problemas de convivência e suas mentiras, não a grande mentira (religião, amor, existência), apenas a mentira hipócrita, aquela típica e pequena do dia-a-dia, mas que faz toda a diferença, ou pelo menos alguma diferença. Para pessoas banais, problemas banais, mentiras banais.

Por exemplo, num diálogo alguém diz: “Transei com o meu marido a noite inteira, foi ótimo!”, nós sabemos que é mentira, ficaram brigando, não se agüentam mais, nem se tocam! Mas a pessoa que está escutando acredita no que a outra diz, ou finge que acredita.
Outro exemplo de um outro personagem que diz:
“Aquela mina é muito gostosa!” também é uma mentira, este personagem é gay, está só se fazendo de macho na frente dos familiares, pois ele tem uma imagem de militar a zelar, além de ser o primogênito. E por ai vai...

Todo mundo mente ou faz algo escondido, essa é uma verdade na vida e assim também no filme, mas como toda a verdade essa também é relativa.

Os atos destes personagens nunca são julgados (ou quase nunca) pelo diretor nem pelo roteirista que, aliás, são a mesma pessoa. Não há (ou quase não há) castigo generalizado ou redenção. A única castigada é a avó, proprietária do apartamento e que sempre parece saber de tudo ou quase tudo, e por isso é mandada para o asilo.
O caçula é o único que parece não mentir nem esconder algo, ele ganha a atenção e o carinho de todos na casa, aliás, é o único. Talvez ele mereça esse carinho por não fazer nada de errado. Bem, não sabemos se ele não faz nada de errado, apenas não vemos ele fazendo! Este não é o tipo de filme de verdades absolutas, ele é relativo. Só porque não aparece na tela não significa que não aconteça.

Mas de alguma forma o filme faz sim julgamento dos atos de seus personagens, pois fazendo a inevitável comparação desse caçula com os demais membros da família ele parece ser um santo e todos os outros têm e são podres, pois estão fazendo alguma coisa errada. Mas esse é o tipo de julgamento que resta para quem está vendo o filme, não é explicito na película.

Todos os julgamentos parecem ficar a cargo do espectador, mas há um julgamento explícito no filme e quem julga é o diretor (o julgamento não acontece no roteiro, ele acontece na forma). Descrevo; na cena vemos a avó indo em direção à janela do apartamento, ela está no alto vendo tudo (visão superior), ela vê seu neto mais velho chegando de carona num Gol preto, ele recebe uma grana do dono do carro, que o agradece e pega na sua coxa, é obvio que além de gay ele também é michê. A câmera está posicionada no alto, o clássico plongée (câmera que julga e diminui o personagem em vista de outro) e não parece haver razão para esse julgamento. Aliás, esse personagem é o mais complexo do filme. Vejam todos os rótulos que foram empregados a ele: primogênito, militar, gay, michê, pavio curto e dono da razão. Nós não gostamos dele, eu pelo menos não gostei, ele não é ruim apenas tem muito a esconder e suas máscaras são muito pesadas para uma pessoa só carregar. Talvez por isso o diretor o julgue como fazendo a coisa errada sendo michê, mas ser michê não parece ser a coisa “errada” a ser julgada e/ou denunciada. Muito mais errado é ele mentir! Quando ele mente para o seu irmão caçula narrando uma forma de sedução e dizendo que já fez isso muitas vezes com mulheres, nós sabemos que isso é mentira, ou pelo menos sentimos a presença da mentira em seu discurso, neste momento a câmera está na altura do seu olhar, um close up pegando um dos lados do seu rosto, ou seja, câmera que não julga. Como se não houvesse problema em mentir.

Depois de assistir a “Os Monstros de Babaloo” a minha visão sobre famílias no cinema mudou muito. Para mim “Os Monstro...” se tornou o filme definitivo sobre família. Obra de referência.

É porque eu gosto de cinema que explora de forma visual o interior, a alma. Alegorias. E não há essa exploração visual em “A Casa de Alice”. Senti falta disso. Mas é um absurdo comparar esses filmes.

Quando comecei a assistir “A Casa..” logo pensei “putz, que mal, parece novela!”. Bem, não é!




Baixe "A Casa de Alice" clicando aqui, lembrando que este filme não tem pra comprar e nem alugar. Ou pelo menos eu não encontrei.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Os Monstros de Babaloo


Quando você pensa em família qual a primeira idéia que lhe vem à cabeça? Amor? União? Laços eternos? Natal?

“Os Monstros de Babaloo” de 1970, escrito, produzido e dirigido por Elyseu Visconti pode abrir os seus olhos para esta instituição sagrada. Esse é sem dúvida alguma o melhor filme sobre família que já vi.

Os monstros do título são as pessoas que habitam Babaloo, ilha mítica onde há uma mansão erguida com o dinheiro de Badu, o pai. Num primeiro momento o filme parece ser uma mera fantasia absurda saída da cabeça de um cineasta no final dos anos 60, mas basta você olhar mais atentamente e perceber que nada do que se vê é tão fantasioso quanto parece.

Evandro não escolheu atores atraentes para viver os papéis principais, ele preferiu uma atriz gorda, feia, passionalmente exagera e egoísta para viver a mãe. O pai é feio, banguela e egoísta. O irmão parece um macaco mendigo, visivelmente louco com algum retardo e egoísta. E tem ainda a irmã mais velha (Helena Ignez) essa é diferente, ela é linda, um pitéuzinho, loira, engraçada, inteligente e egoísta também. Em Babaloo todos são representações visuais autênticas de nós mesmos.

Mas porque todo mundo nessa casa é tão medonho menos a irmã? Oras, o filme é narrado por ela, tudo se passa através do ponto de vista desta garota, ela sempre está por cima da carne seca, além de ser linda ela é a única que se dá bem no final. Se o filme fosse narrado por outro membro da família a história teria outro desenlace.

Evandro Visconti filmou na total ausência de moralismo a natureza egoísta que está intrínseca em nós. O cara estava livre! É lindo de ver. Inspirador. Para ele o único fator que une a família é o dinheiro e o espaço para morar, quando esses cogitam desaparecer também desaparece o interesse de permanecer juntos.

Um exemplo. Badu é muito rico, por isso tem todos a sua volta. Tanto ele quanto sua mulher têm casos extraconjugais, mas isso em momento algum parece ser um problema enquanto ainda há dinheiro. A partir do momento em que a grana acaba a traição é motivo de brigas e até morte.

Cada ser humano vive o seu universo independente da família. Evandro coloca seus personagens neste ambiente apenas para nos mostrar que a família não passa de uma ilusão e que há de se quebrar o signo marcado do PAI, da MÃE e do IRMÃO para viver melhor e sem culpa. Tanto o pai, como a mãe e o irmão são como qualquer outra pessoa existente no mundo.

Claro que há pelo menos um momento de coexistência pacífica e harmônica entre essas pessoas, onde todos se conciliam; estão todos dentro do carro passeando e cantando o Hino da Copa de 70 , “90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção...” Puro engodo!
não tem em dvd pra comprar!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Os Carvoeiros




Documentário de 1999 dirigido por Nigel Noble (inglês ganhador do Oscar de melhor documentário por Close Harmony em 1981) começa levantado algum debate antes mesmo de tomarmos contato com o filme em si. “Os Carvoeiros” é um filme brasileiro?

Um filme brasileiro seria aquele falado em português, produzido e comercializado por profissionais brasileiros no Brasil (relativamente seria isso).
Mas não é isso que acontece nesse caso. O filme é falado em português sim, trata de um tema brasileiríssimo sim: o desmatamento de florestas e trabalho sub-escravo (e tudo o que vem antes e depois disso; educação deficiente ou nula, pobreza extrema, etc etc...), mas é dirigido por um inglês e sua distribuição e exibição no Brasil foi praticamente nula, não houve lançamento em salas comerciais se restringindo apenas a alguns festivais, também não há disponível em DVD para compra ou locação (mas você consegue comprá-lo facilmente pelo amazon.com ou qualquer outro site fora do Brasil). Fora isso passou no Canal Brasil (que é TV fechada, um canal que faz parte de uma grade especial de programação, isso quer dizer que se você tem o pacote básico da TV por assinatura não tem acesso a esse canal). Resumindo, pouquíssimos brasileiros viram esse filme. Eu baixei a minha cópia da net, sem culpa, baixe você também!

Mas sinceramente acho essa discussão uma banalidade, o importante é que esse filme existe. De qual país ele leva a bandeira é completamente irrelevante (para determinados fins, claro!). Quando se cogitou uma possível nomeação ao Oscar em 2000 era o nome Brasil que estava em jogo, mas se ganhássemos (!) talvez soasse um pouco falso. Ou não, pois há muito do trabalho de José Padilha e Marcos Prado, sinceramente, nem sei o que esse Nigel fez, o trabalho desses brasileiros é muito mais perceptível num 1° momento.

Primeiramente porque foi através do trabalho fotográfico de Marcos Prado que esse projeto se fez existir. Marcos Prado trabalha o drama desses carvoeiros desde 1991, fazendo um documento fotográfico vencedor de importantes prêmios internacionais. Conseguiu terminá-lo a tempo de exibi-lo no ECO 92 no Rio, onde ganhou repercussão internacional. Quem não gosta de fotos em p/b de gente feia, suja e pobre belamente enquadrada?

E tem também o trabalho de José Padilha que depois faria Ônibus 174 e Tropa de Elite juntamente com Marcos. Está lá todo o caso de injustiça social e também um outro fator muito importante visto na última obra de Padilha; o consumo (in)consciente, neste caso o consumo das florestas na região central do Brasil, em Tropa de Elite é o consumo de drogas. Boa parte daqueles trabalhadores sabe que estão fazendo a coisa errada desmatando aquela quantidade enorme de árvores aumentando o desequilíbrio ambiental, mas infelizmente foi só o que sobrou para sustentarem suas famílias, se hoje extinguirem essas atividades essas pessoas morreram de fome.

E Nigel, onde fica? Bem... ele não é brasileiro mas com certeza é um homem de cinema, uma pessoa muito sensível que demonstra sua idéias muito mais através de imagens do que palavras. Fica claro qual é o papel de Nigel logo na 1ª seqüencia do filme, imagens de mãos negras segurando e amarrando pesadíssimas correntes de aço em tratores, correntes que logo irão destruir um pedaço enorme da mata, as cenas de devastação são deprimentes, Nigel opta por takes mais fechados para mostrar a queda das árvores, o efeito disso é perturbador e angustiante. Poético, como não?!

“The Charcoal People of Brazil” (seu título internacional) mostra a vida miserável desses carvoeiros, eles trabalham a vida toda ganhando muito pouco, quase nem tem o necessário para comer, crianças ajudam os seus pais e deixam de ir para a escola, se há escola. Onde há só tem algum aluno sentado na carteira quando os pais dessas crianças ganham alguma ajuda do governo que dá 50 reais (em 1999) por mês para cada criança permanecer na sala de aula. Mas é óbvio que é uma educação deficiente, um bom exemplo é quando uma das crianças é perguntada sobre o que queria ser quando crescer, ela respondeu sem a menor dúvida “Quero ser carvoeiro como meu pai!” o entrevistador perguntou “Por quê?” a criança respondeu “Para ganhar dinheiro!”.

Claro que é por dinheiro! Eles não queimam a floresta por que são pessoas do mal, ou por que acham tudo isso muito divertido. Existe um número enorme de siderúrgicas no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que precisam desse carvão vegetal para produzir um tipo específico de ferro chamado “ferro-gusa” que é exportado para toda a Europa, EUA e Japão. O Brasil é o único país do mundo que produz ferro-gusa a partir de carvão vegetal, o resto do mundo produz esse ferro a partir de carvão mineral, resultando num produto de menor qualidade.

E agora, com a escassez de matéria-prima naquela região essas siderúrgicas estão se mudando para a Amazônia. Que ótimo!
Se bem é verdade que hoje 67% da madeira utilizada para a produção de carvão provem de áreas reflorestadas, mas esse também é um problema tão grave quanto o da derrubada da mata original; a monocultura da árvore de eucalipto usado nessas plantações impede o crescimento de qualquer outra forma de vida nessa região, criando um impacto ambiental tão profundo quanto o desflorestamento.

E é esse o apelo que o filme faz, essa é a sua razão de existir, mostrar ao resto do mundo que algo precisa ser feito nesses lugares, tanto para com a floresta quanto com aquelas pessoas. E talvez essa observação responda aquela pergunta lá no começo. Sobre a má distribuição do filme aqui no Brasil.

“Os Carvoeiros” é um filme pra gringo ver (imagens belíssimas de miséria, trilha sonora idem). Esses temas de pobreza absoluta não nos comovem mais, ou talvez não comovam tanto, ou não o necessário. Estamos vacinados quanto a isso pois vemos o tempo todo na tevê ou nos jornais. Um filme como esse pouco acrescentaria a nós. Analisando dessa forma “Os Carvoeiros” se assemelha à “Iracema – uma transa amazônica”, filme do anos 70, financiado por uma televisão Alemã mostrava a floresta amazônica sendo devastada pelas queimadas, “Iracema” causou muita polêmica quando foi lançado pois foi a 1ª vez que imagens da Amazônia pegando fogo correram o mundo abrindo os olhos dos gringos para problemas ecológicos, sociais e econômicos que estavam acontecendo no Brasil. Só que “Iracema” é um filme bem diferente, ele tem um formato inusitado e livre; meio documentário, meio ficção meio teatro farsa com o Paulo Cezar Peréio no papel principal, o filme sugeria debates nas mais diferentes âmbitos de discussão.

Mas analisando os dois filmes tem algumas perguntas que não querem calar:

Qual a força do cinema perante a economia e o consumo mundial sobre assuntos ecológicos?
Será que ele pode mudar alguma coisa? Será que ele pode mudar alguém ou um determinado grupo de pessoas a ponto de fazer parar com as queimadas na Amazônia?
Será que se não houvesse “Iracema” nos anos 70 a Floresta Amazônica estaria pior?