terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

ACONTECEU EM WOODSTOCK


Ang Lee é o tipo de diretor que acha que pode mudar o mundo com o cinema. É uma visão bastante romântica da profissão, porém não condenável, se eu fosse diretor faria filmes mais ou menos como esse “Aconteceu em Woodstock”.


Elliot é um decorador em NY que se vê obrigado a voltar para sua cidadezinha para ajudar seus pais na administração do hotel da família, que está passando por um delicado momento financeiro.


Esta fórmula é simples e gera, aparentemente, um bom resultado. Como em "O Segredo de Brokeback Mountain", Ang Lee escolhe o interior dos EUA como cenário (referência da nossa sociedade hipócrita e careta) e coloca no centro disso um personagem homossexual (referência de novos costumes) para ir contra os velhos hábitos comuns, mas sem fazer apologias ou levantar bandeiras. A cena tem que parecer o mais natural possível, sem agredir. Um beijo entre dois homens é apenas um beijo, não um manifesto a favor dos direitos dos homossexuais. Não que ele não queira dizer isso, ele quer, ele é o diretor, mas ele sabe fazer a cena acontecer sem que ela pareça forçada ou piegas.


Esse cinema que Ang Lee está fazendo em Hollywood é discretamente libertário. No filme são inúmeras as cenas com pessoas nuas. Pênis, pêlos, vaginas, bundas e peitos por tudo que é lado. Uma das minhas cenas favoritas: durante uma encenação do grupo teatral que vive no seleiro do hotel dos pais de Elliot toda a trupe fica nua perante uma platéia formada pelas famílias religiosas dos moradores locais, há um choque da platéia por causa deste acontecimento e todos saem correndo. Mas a cena em si não foi construida para chocar e sim para fazer humor , colocando a família, rígida em seus costumes morais, como uma coitada pobre inocente atrasada e hipócrita. Minutos depois no filme este momento ecoa, quando num lago próximo ao hotel muitas famílias tomam banho juntas, homens adultos, mulheres e crianças, todos nus, não sentindo vergonha por serem quem são e em nenhum momento isso parece ser uma atitude de sacanagem ou reprimida pelo preconceito.


E por isso “Aconteceu em Woodstock” é um filme leve, uma comédia com teor certamente pretensioso para toda a família e não um filme censurado para maiores de 16 anos, como ficou restrito aqui no Brasil, ou pior, 18 anos para os EUA. O que Ang Lee quer é deixar o mundo menos careta, quer que todo mundo experimente drogas, beije pessoas do mesmo sexo, tenha amizades com pessoas que possuem vida sexual fora dos padrões católicos sem que isso implique em rótulos ou gere qualquer forma de preconceito,


Recentemente um filme usou de uma formula similar para tratar de assuntos considerados difíceis para a sociedade tradicional. Em “Pequena Miss Sunshine” vemos assuntos tabus como drogas, homossexualismo e suicídio através dos olhos de uma menina de 6 anos que entende e aceita os fatos com naturalidade, sem sustos ou opiniões mascaradas.


Assim, o novo filme de Ang Lee retrata os dias loucos de Woodstock por uma perspectiva sóbria e natural, evitando o "megalomanismo", que é o que se pode esperar quando um longa de ficção anseia tratar de tal evento. Ang Lee não se preocupa em viver intensamente o caldeirão efervescente que foi o festival em si, a multidão alucinada nos shows e a piração orgiástica, ele se preocupou apenas em viver conscientemente um momento de transformação e libertação de seu personagem, uma pessoa que não é hippie, não é usuário habitual de drogas e nem vive a cultura do sexo livre, mas que mais cedo ou mais tarde teve contado com isso tudo, sem que isso o transformasse em um junkie ou num “pederasta”. Pra quem não sabe, esse filme é baseado numa autobiografia, escrita pelo próprio Elliot Tiber.


Interessante também no filme é o destaque para o fator “dinheiro”. Woodstock foi o auge da cultura hippie americana, ou seja, pessoas que viviam apenas pelo prazer e pela liberdade, sem se preocupar com dinheiro, o mínimo era o máximo e assim deixavam as coisas acontecerem. Mas o capitalismo está intrínseco na cultura americana, não há como escapar. Na abordagem de Ang Lee, tudo acontece por causa de dinheiro, inclusive o festival. O dinheiro e as negociações vêm muito antes da “paz e amor e música”, mas ele não é o mais importante, ele só serve para revelar contornos da personalidade escondida dos personagens. Uns são generosos, outras gananciosos, uns indiferentes.


A história revela que dos momentos mais improváveis, despretensiosos e quase sem emoção é que surgem os eventos mais inesquecíveis, como quando você sai de casa sem 1 Real no bolso e tem a melhor noitada da sua vida.



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