quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Lições de "mise en scène" com Tarkovski!



"Pode-se representar uma cena com precisão documentária, vestir os atores de forma naturalisticamente exata, trabalhar todos os detalhes de modo a conferir-lhes uma grande semelhança com a vida real e, mesmo assim, realizar um filme que em nada lembre a realidade e que transmita a impressão de um profundo artificialismo, isto é, de não fidelidade com a vida, ainda que o artificialismo tenha sido exatamente o que o autor tentou evitar."

(...)

"Na vida real, podemos nos deixar impressionar pela maneira como um episódio assume um aspecto de uma "mise en scène" de máxima expressividade. Ao nos depararmos com ela, talvez exclamemos com prazer : "Mesmo que você tentasse, não conseguiria um resultado assim!" O que é isso que achamos tão extraordinário? A incongruência entre a "composição" e o que está acontecendo. Na verdade, o que nos encanta a imaginação é o absurdo da "mise en scène"; este absurdo, porém, é apenas aparente e oculta algo de grande significado que confere à "mise en scène" a qualidade de absoluta convicção que nos leva a acreditar no acontecimento.

A questão fundamental é que não convém evitar as dificuldades e reduzir tudo a um nível simplista; é extremamente importante, então, que a "mise en scène", em vez de ilustrar alguma idéia, exprima a vida - o caráter dos personagens e seu estado psicológico. Seu objetivo não deve reduzir-se a uma elaboração do significado de um diálogo ou de uma seqüência de cenas. Sua função é surpreender-nos pela autenticidade das ações e pela beleza e profundidade das imagens artísticas - e não através da ilustração por demais óbvia do seu significado. Como é tão comum acontecer, enfatizar excessivamente as idéias só pode restringir a imaginação do espectador, criando um espécie de limite máximo às idéias, para além do qual abre-se um grande vácuo. Não se trata de algo que defenda as fronteiras do pensamento, mas de algo que simplesmente limita as possibilidades de penetrar em suas profundezas."



Extraido do livro "Esculpir do tempo"



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