quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Tarkovski tinha senso de humor!





Nas primeiras páginas do livro "Esculpir o Tempo", escrito por Tarkovski, o cara transcreve cartas que recebeu de pessoas que assistiram ao seus filmes.

Um engenheiro de Leningrado disse assim: "Vi seu filme, 'O Espelho'. Assisti até o fim, apesar da grande dor de cabeça que me foi provocada na primeira meia hora pelas tentativas de tentar analisá-lo, ou de ao menos compreender alguma coisa do que se passava, alguma relação entre os personagens, os acontecimentos e as recordações...Nós, pobres espectadores, vemos filmes que são bons, maus, muito maus, banais ou extremamente originais. Porém, no caso de qualquer um desses filmes, podemos sempre entender, ficar entusiasmados ou entediados, conforme o caso, mas... o que dizer do seu filme?!..."

Um outro engenheiro ficou terrivelmente indignado: "Faz meia hora que saí do cinema, onde assisti ao seu filme, 'O Espelho'. Pois muito bem, camarada diretor!! Também o viu? A impressão que tenho é de que há algo de doentio neste filme... Desejo-lhe todo o sucesso em sua carreira, mas asseguro-lhe que não precisamos de filmes assim."

Talvez o problema seja com os engenheiros mesmo, aqui tem mais uma: "Que vulgaridade, que porcaria! Bah, que revoltante! De qualquer forma, creio que seu filme não irá mesmo fazer muito sucesso. Com toda a certeza, não conseguiu atingir o público, e, afinal, é isso o que importa... .(...) É de admirar que as pessoas responsáveis pela distribuição de filmes na União Soviética deixem passar tais dispares."

Tarkovsi diz que esse tipo de correspondência costumava desesperá-lo: "afinal, para quem eu estou trabalhando, e por quê?". O que o reconfortava eram cartas de outro tipo de espectador, mais abertos às novidades: "Certamente não sou o primeiro, nem serei o último, a escrever-lhe completamente desnorteado, pedindo ajuda para entender 'O Espelho'. Em si, os episódio são muito bons, mas como ligá-los entre si?" "O filme é tão diferente de tudo o que já vi, que não estou preparada para entendê-lo, tanto no que diz respeito à forma quanto ao conteúdo. Você poderia explicá-lo?"

Até hoje nunca vi um filme do Tarkovski, mas esse é um fato que logo irá mudar, porque depois que li estas cartas em seu livro virei fã do cara! Fiquei admirado com esse desprendimento quase doentio, esse poder de rir da própria desgraça, num momento tão sensível que era durante a produção do livro, que lhe custou tanto. Não é qualquer artista que é capaz de expor seus traumas profissionais dessa forma.

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